Da Santa semana ao insaciável consumo
Hoje, os hábitos mudaram com os insaciáveis desejos de consumo. Ao lado da canjica, a carne quebra a tradição
Padre Pedro Koehler não vai concordar, mas não se faz mais Semana Santa como antigamente, principalmente aqui na Cachoeira do Bom Jesus e em outras regiões do Norte da Ilha, onde parte das novas gerações se arrepia só ao sentir o cheiro da canjica.

Até o fim dos anos 1970, colhia-se o milho na quinta-feira, bem cedo, e num alguidar ele ficava de molho até o dia seguinte, quando se iniciava seu cozimento em panela de barro sobre o fogão à lenha, adicionando-se o leite tirado da vaca de manhã bem cedo e o coco ralado.
Próximo do meio-dia, a família sentava-se à mesa para as orações, ao cheiro do mungunzá. Hoje, os hábitos mudaram com os insaciáveis desejos de consumo. Ao lado da canjica, a carne quebra a tradição.
Na época, só se comia carne se o gado, porco, cabrito e aves estivessem no pasto, mas, mesmo assim, o ardor religioso estancava o desejo de saborear o alimento de modernos ansiosos na sexta. Os nativos devotos já se adequaram à nova realidade, e o camarão e a corvina estão ao lado da canjica.
E na praia da cachoeira…
– Ô Venanço, és contra a brincadeira do boi? – Nem a favor. Quando soltavam o boi na rua e na praia, era um corre-corre danado. Meu pai trancava todo mundo em casa. Só no fim da tarde, quando carneava o boi, a gente ia lá pegar um pedaço. E tu ainda come canjica, Lelo?
– Sim, muita. Mas o peixe entra junto. Até o camarão. Eu tenho lembrança que naquela época ninguém trabalhava, tudo era fechado e a gente nem podia falar alto em casa, porque tinha gente na reza. Tu recebesse muito esporro da Mariquinha?
– Muito, muito. Mas hoje posso até berrar, porque agora ela só reza na Igreja e além de tudo tá meio que surda. (risos).
– Mas hoje tá tudo aberto, Visse ontem? Até açougue funcionou!
– É, a semana parece menos santa. Naquela época, o povo se reunia com abraços e no domingo de Páscoa era uma grande festa entre família e vizinhos.
– Os tempos são outros, Venanço. Não se olha mais na cara. Tudo agora está no celular. Até careta e beijos vão por esse aparelho.
– E tu tens visto a santa no celular? Nem tu, né?
– Tás brincando. Eu não uso isso não, tás tolo, tás?
– Nós tamo nas antigas, véio, esse povo é que tá na frente. Ao menos, acha que tá.
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