Destruição do meio ambiente pode desencadear novas pandemias
Relatório da ONU alerta para o surgimento de novos surtos de doenças zoonóticas caso os países não tomem medidas para frear exploração das reservas verdes
“Se continuarmos explorando a vida selvagem e destruindo os ecossistemas, podemos esperar um fluxo constante de doenças”. Foi com estas palavras que a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen, fez um apelo para que os países não abandonem as pautas sobre questões ambientais mesmo em meio à crise causada pela pandemia do coronavírus.
Publicado em 7 de julho, o novo relatório da ONU traz um alerta para o surgimento de novos surtos de doenças zoonóticas caso os países não tomem medidas. Isso, segundo a organização, só poderá ser feito se a humanidade colocar um freio na destruição das reservas verdes.
Apesar do apelo, já vivemos um paradoxo. A Amazônia, por exemplo, registrou no primeiro trimestre deste ano um crescimento de 51,45% no número de alertas de desmatamento. Além desta realidade, nos próximos anos debates e investimentos sobre meio ambiente podem ser enfraquecidos por conta da crise de saúde.

Mesmo atual e necessário, o tema também não parece ser urgente para a maioria dos brasileiros. Uma pesquisa feita em julho mostrou que, embora 85% dos entrevistados defendam que o governo deve priorizar o meio ambiente, 41% dos ouvidos admitiram que o assunto não está na sua própria lista pessoal de prioridades.
O estudo foi feito pelo Instituto Ipsos entre 21 e 24 de maio. Além do Brasil, a pesquisa ouviu a população de outros 15 países.
Pandemia pode se tornar “desculpa”
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Professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e integrante do painel da ONU sobre mudanças climáticas, Regina Rodrigues acredita que a crise poderá ser uma “desculpa” para que os gestores não invistam em políticas mais sustentáveis.
A especialista também afirma que o período também poderá mitigar o interesse em buscar soluções e estudos para frear o desmatamento, queimadas e outras ações humanas.
“O que está acontecendo é que toda a preocupação está na Covid-19, e esse problema não vai facilitar o discurso para esses investimentos [sustentabilidade e o meio ambiente]”, observou a professora, ao citar a diminuição também nos investimentos em educação científica.
“Infelizmente, com a queda econômica, menos dinheiro vai ser investido. E muitos países, inclusive, vão usar isso como desculpa para não investir mais, até na educação, como é o nosso caso”, acrescentou.
Há duas semanas, a UFSC anunciou que pode ter R$ 26 milhões cortados do seu orçamento para o próximo ano. O motivo é a previsão de uma queda de 18,2% no orçamento. No país, o corte no Ministério da Educação será de R$ 4,2 bilhões em 2021.
No projeto de lei do Orçamento para 2021, o governo pode ainda enxugar o orçamento do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
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COP16 adiada
Além de afetar a economia de centenas de países, a pandemia também atrasou o maior evento sobre mudanças climáticas da Terra. Programada para abril deste ano, a 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática – a COP26 – foi transferida para 2021, em meio a incertezas.
Além do evento, a necessidade de isolamento impediu encontros e negociações que são feitas entre os países antes da COP. E enquanto a Conferência não ocorre, a crise espalha um sentimento de incerteza entre os envolvidos com a proteção do meio ambiente.
Em um discurso que anunciou o adiamento da COP, a secretária-executiva do evento, Patrícia Espinosa, lamentou a mudança da data e afirmou que a alteração busca proteger as pessoas da Covid-19. Ela fez também um convite para que enfrentamento à poluição da Terra não seja ignorado.
“A Covid-19 é a ameaça mais urgente que a humanidade enfrenta hoje, mas não podemos esquecer que #ClimateChange é a maior ameaça a longo prazo”, escreveu Espinosa em sua conta no Twitter.
Economia verde pode ser a solução
Mesmo em meio às incertezas, a COP26 terá a plataforma para discutir o futuro pós-pandemia. Além disso, para a professora Regina, assim que a doença for controlada, será não só inevitável, mas crucial, falar sobre sustentabilidade. “É a única solução”, destacou.
À frente de todos, a Alemanha já apresentou um pacote econômico com estímulos para a economia verde. Além de recuperar os empregos perdidos na crise, o país definiu metas para aumentar o crescimento em setores sustentáveis e de baixo carbono.
No Brasil, a adoção de opções de economia verde pode aditivar R$ 2,8 trilhões aos cofres, com a geração de dois milhões de empregos até 2030. A conclusão foi apresentada no estudo ‘Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a Construção de uma Economia Mais Eficiente e Resiliente para o Brasil’.
“Não é mais caro combater o aquecimento global”, ressaltou a professora. “As indústrias petrolíferas, principalmente, fazem uma propaganda de que vai custar muito dinheiro, que as pessoas vão perder o emprego, para não passarmos por um estilo de vida mais sustentável. Mas é possível e gera emprego, renda, além de ser muito mais sustentável”, concluiu Regina.
O estudo liderado pelas ONGs WRI Brasil e New Climate Economy foi assinado por pesquisadores de seis instituições nacionais e entregue ao Ministério da Economia no último mês. Entre as propostas, a análise mostrou que o primeiro passo seria conter o desmatamento nas florestas do país.
*Com informações da WRI Brasil, Agência Brasil e Estadão Conteúdo
Para conferir:
- Estudo da ONU. Leia aqui.
- Desmatamento na Amazônia. Leia o relatório aqui.
- Pesquisa feita pelo Instituto Ipsos pode ser vista aqui.
- Leia aqui o estudo ‘Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a Construção de uma Economia Mais Eficiente e Resiliente para o Brasil’