Cinquenta e oito anos depois, o espectro de Jânio Quadros ainda influencia eleitores
Em pleno 2018 ainda há quem lembre da delirante campanha do "homem da vassoura", que se elegeu presidente, mas não conseguiu governar


– Sou da vassoura até hoje, me diz o homem sorridente, cabelos pintados de preto, cerca de 80 anos de idade. Em seguida, simula com os dois braços que está varrendo o chão de sua loja.
A afirmação, plena de orgulho, veio na sequência de um diálogo, que começou na minha chegada à loja, em busca de um produto.
– Tô lhe conhecendo. O amigo é ‘tripeiro’ (natural do Estreito)?
– Não senhor, morei aqui por alguns anos, mas faz muito tempo, nem lembro a rua, nada.
– Mas e os seus pais, eram ou são ‘tripeiros’?
– Não, senhor, meu pai era natural da Lagoa da Conceição. Minha mãe nasceu em Bom Retiro, onde passou toda sua juventude, até se casar.
– Bom Retiro? – Morei lá. Meu pai tinha negócio lá
A seguir pergunta sobre a família de minha mãe. Explico de forma mais fácil:
– Sou sobrinho do Flares, que foi prefeito.
– Ele era dos nossos (UDN). Estivemos juntos na campanha do Jânio Quadros, em 1960.
É neste ponto que entra a história da vassoura.
– Mas por que o senhor é “da vassoura” até hoje?
– Porque o Brasil precisa de uma boa limpeza, aquela proposta do Jânio, de varrer a sujeira da corrupção.
De fato, o jingle de Jânio era forte, aproveitava eventuais denúncias contra seu antecessor, o presidente Juscelino Kubitscheck.
A letra do jingle era um primor, talvez um dos melhores jingles de campanha já bolados no Brasil, de fácil apelo popular:
“Varre, varre, varre, varre vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já tá cansado
De sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil moralizado!
Alerta, meu irmão!
Vassoura, conterrâneo!
Vamos vencer com Jânio!”

A campanha de Jânio mobilizou multidões. Ele pertencia a um partido inexpressivo (PTN – Partido Trabalhista Nacional), com apoio do PDC (Partido Democrata Cristão) e, no auge do processo eleitoral, ganhou a adesão da UDN (União Democrática Nacional), legenda de formação conservadora, equivalente hoje ao DEM/PSDB. Era um líder populista de direita, com discurso moralista e reacionário. Um contraponto “perfeito” dos conservadores ao estilo moderno e inovador de JK, cujo governo foi apoiado pelos getulistas do PTB e progressistas em geral. JK era chamado de “o presidente Bossa Nova”, numa alusão ao movimento musical que está completando 60 anos em 2018.
O candidato da situação em 1960 era o marechal Henrique Teixeira Lott, que atuou contra os golpistas assanhados no período entre o suicídio de Vargas (1954) e a eleição de JK (1955). Tornou-se ministro da Guerra de JK. Sua candidatura teve o apoio do PTB e de vários segmentos de esquerda.
Eleição do vice
Encurtando a história: Jânio venceu com 48,26% dos votos, foi vitorioso em 16 Estados, inclusive Santa Catarina. Lott ficou em segundo, com 32,94% dos votos, vitorioso em 8 Estados e o Distrito Federal. O terceiro colocado foi Adhemar de Barros, do PSP (Partido Social Progressista), com 18,79% dos votos, vencedor apenas em seu Estado, São Paulo.
Interessante lembrar que o vice-presidente era escolhido separadamente, era outra eleição. O vencedor em 1960 foi João Goulart (PTB), que já havia sido vice na administração de JK. Teve 4,5 milhões de votos e ganhou em 18 Estados mais o Distrito Federal.
Jânio tomou posse, arrumou um monte de confusões (proibiu o uso de biquínis nas praias e piscinas, por exemplo). Sem apoio do Congresso Nacional, porque não tinha base política, renunciou sete meses depois. A partir daí começou a novela sobre a posse de Goulart, um político progressista, com formação de esquerda. Golpistas que agiram contra Getúlio voltaram à cena, agora para impedir a posse do vice escolhido pela população. Foi nessa ocasião que o Brasil viveu sua primeira e única experiência parlamentarista no regime republicano. Tancredo Neves, avô de Aécio Neves (PSDB), foi o primeiro-ministro escolhido, mas o sistema durou pouco tempo. De setembro de 1961 a julho de 1962, mês em que João Goulart tornou-se presidente de fato. Mas os golpistas que agiram no segundo governo de Getúlio – e provocaram seu suicídio em 1954 – estavam sempre vigilantes. A UDN, apoiada pelo grande empresariado nacional e pela mídia tramou a derrubada de Goulart ao longo de 1963 e dos primeiros meses de 1964, conseguindo derrubá-lo, por meio de um golpe de Estado, em 1 de abril de 1964.
O gesto final
Para encerrar a conversa com o comerciante janista pergunto quem seria o “da vassoura” na atualidade. Ele pensa um pouco, simula um gesto com a mão direita, apontando o indicador e levantando o polegar. Eu pago a conta e saio rapidinho.